Ao Magnífico Reitor,
Fernando Ferreira Costa,
Vimos, por meio desta, solicitar ao magnífico reitor que retire o processo disciplinar sobre os cinco estudantes [suprimidos os nomes] acusados de depredação do patrimônio público e invasão de prédio público no período de Ocupação do Prédio da Administração da Moradia Estudantil da Unicamp durante vinte e dois dias do mês de março de 2011. São diversos os motivos, que lhe expomos abaixo para que não dê prosseguimento às punições:
1) O projeto da Moradia Estudantil da Unicamp, que data do ano de 1987, previa a construção de 1.500 vagas para os estudantes. O que correspondia a cerca de 10% (dez por cento) do total de estudantes à época. Para que este projeto fosse aprovado, houve a ocupação do Ciclo Básico (CB) por sessenta estudantes por cerca de dois anos. Este movimento de ocupação denominou-se Movimento Taba, fazendo referência a tabas indígenas que se caracterizavam por uma cultura de coletividade. Assim, a Moradia Estudantil da Unicamp deveria ser não só o local onde as pessoas dormem, mas suas verdadeiras casas, com espaços de lazer, estudos, esportes, bem como espaço de discussões políticas sobre a função e funcionamento do Programa de Moradia Estudantil (PME) e da Universidade Pública. O reitor de então, Paulo Renato Costa Souza, assinou documento que afirmava que não cumpridas as cláusulas que garantiam a construção destas 1.500 vagas de moradia, estava autorizado o DCE/Unicamp a ocupar área do Campus da Unicamp equivalente ao espaço anteriormente ocupado (CB) pelo Movimento Taba. Vide documento em anexo.
2) Atentos ao contexto histórico e dada a situação insustentável do PME atualmente, viu-se a necessidade de que nova ocupação fosse realizada. Em que consiste esta atual situação insustentável? O problema primordial do PME diz respeito à falta de vagas na Moradia Estudantil. Dado que nem mesmo as 1.500 vagas solicitadas há vinte anos atrás foram construídas, hoje, tendo dobrado o número total de estudantes na Unicamp (incluindo os campus de Piracicaba e Limeira que não dispõem de Moradia Estudantil), que alcança 32.772 estudantes (segundo anuário de 2010 da Unicamp), a situação dos que necessitam de vagas na Moradia é muito precária. A maioria das casas ultrapassa o número de quatro moradores, porque não só o número total de estudantes aumentou[1], mas também a especulação imobiliária em Barão Geraldo é crescente. Dando continuidade à explanação do que chamamos de “condição insustentável”, temos os problemas de infiltrações bem como no sistema elétrico, presenças de gambás, ratazanas e pombos, materiais inutilizados ocupando os corredores da Moradia, salas de estudos e centros de vivência transformados em depósitos e não convocação por parte do coordenador do PME dos representantes discentes para reuniões do Conselho Deliberativo para deliberar sobre problemas graves concernentes ao PME. Esta última questão levou decisões que deveriam ser tomadas internamente para o âmbito da justiça comum, o que culminou na entrada da Polícia Militar (PM), mais especificamente, da Tropa de Choque, dentro da Moradia Estudantil, o que é visto como inadmissível por parte dos estudantes da Unicamp em geral, não somente pelos estudantes/moradores.
3) Um novo movimento se constituiu a partir de então: o Movimento Novos Tabanos, que ocupou a Administração da Moradia Estudantil como forma de protesto e denúncia de todos os problemas anteriormente citados. Mais uma vez houve a tentativa de se resolver os problemas nas instâncias cabíveis da Unicamp, através de uma comissão de negociação que foi ouvida uma única vez e que obteve como resposta que “não havia nenhuma possibilidade de negociação, porque não havia problemas no PME”. Novamente o movimento político estudantil foi tratado como problema judicial e, em primeira instância, o juiz de Direito da 1ª Vara da Fazenda Pública de Campinas considerou legítima a luta dos estudantes, considerando a ocupação de prédios públicos uma forma tradicional de protesto político, especialmente ao movimento estudantil. Vide documento em anexo. A suspensão desta decisão em instância superior acarretou em nova entrada da PM no espaço da Moradia Estudantil.
4) Para além de todos os argumentos já citados, temos o fato de que este movimento não tem lideranças. O movimento Novos Tabanos procurou tomar as decisões sobre seus rumos em assembléias abertas a qualquer estudante que estivesse interessado em pensar a permanência estudantil na Unicamp. Ao longo dos 22 dias de ocupação contribuíram para o movimento mais de 100 pessoas, com o pleno amparo legal e legitimidade da entidade representativa dos estudantes da Unicamp, o DCE. Eleger cinco estudantes para puni-los de forma exemplar para que o movimento estudantil da Unicamp se sinta acuado diante das dificuldades crescentes de permanência estudantil e das decisões cada vez menos democráticas dentro desta Universidade é tentar obscurecer o que a realidade concreta destes estudantes os faz ver e sentir cotidianamente. Portanto, solicitamos que estes cinco estudantes não sejam punidos, que o processo disciplinar seja cancelado e que possamos iniciar um diálogo democrático nas instâncias políticas cabíveis dentro da Unicamp sobre os problemas em torno da PME da Unicamp.
Atenciosamente,
Movimento Novos Tabanos/DCE UNICAMP.
Campinas, 05 de maio de 2011.
[1] A Unicamp se orgulha de ver aumentar o número de alunos advindos de escolas públicas (ver em http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20110401/not_imp700197,0.php ), mas é preciso dar condições plenas de permanência estudantil para estes alunos de baixa renda.